O "nosso" MIGUEL TORGA
Torga é uma planta transmontana,
urze campestre, cor de vinho, com as raízes muito agarradas e duras, metidas
entre as rochas. Assim como eu sou duro e tenho raízes em rochas duras,
rígidas, Miguel Torga é um nome ibérico, característico da nossa
península"... Feita a 4ª classe com distinção, o pai disse-lhe: "tens
de escolher... aqui não te quero. Por isso resolve: ou o seminário de Lamego ou
Brasil". Daí a pouco lá ia o rapaz rumo a Lamego: "ía na frente, de
fato preto, montado, a segurar o baú de roupa que levava diante de mim. Meu pai
e minha mãe vinham atrás, a pé, ele com os ferros da cama às costas e ela de
colchão e cobertores à cabeça", contará mais tarde em A Criação do Mundo. Aí esteve um ano. Chegou a ajudar à missa, durante as
férias, com grande enlevo para a mãe. Mas a decisão era outra. O Brasil era a
única saída. Partiu em 1920. "Ficou em casa de uma tia que lhe impôs como
obrigação, em todos os dias carregar o moinho, mungir as vacas que davam leite
para a casa, tratar dos porcos, prender as crias das vacas, curar bicheiros e
procurar pelos matagais as porcas e as reses paridas". Um ano depois
estava de regresso a Portugal. O tio prontificara-se a fazer dele um médico,
custeando-lhe os estudos, em Coimbra. Aos 24 anos estava formado. Especializou-se
em Otorrinolaringologia. Começou por exercer clínica geral na sua aldeia. A
experiência foi negativa. Instalou-se em Leiria, de que gostava. Mas por causa
das tipografias, optou por voltar a Coimbra. Depois de uma vida amorosa
repartida, pelos sítios, por onde passava, acabou por casar pelo civil com a
Prof. universitária (de Coimbra), a belga André Cabrée: "vou tentar ser
bom marido, cumpridor. Mas quero que saibas, enquanto é tempo, que em todas as
circunstâncias te troco por um verso" (confessará em A Criação do Mundo, V). Entre a passagem
pelo seminário e a ida para o Brasil ainda foi caixeiro num estabelecimento
comercial, no Porto. Foi sempre um homem, socialmente difícil. Pouco
comunicativo, falando com mais convicção do que razão. "Uma das facetas
menos atraentes do carácter de M.T. é a sua forretice. Chega a comprar livros
com exemplares dos seus. De Leiria a Coimbra viajava sempre em 3ª classe. Foi
ao estrangeiro, por diversas vezes, percorrendo boa parte da Europa,
aproveitando sempre boleia de dois amigos. Quase não oferece livros a ninguém,
recusa dedicatórias e autógrafos, nunca confiou o seus livros a nenhuma
editora, preferindo sempre "edições do autor", com pequena tiragem e
no papel mais barato possível." (Antônio Freire, in Lendo M.T.). Na gráfica
onde fazia os seus livros, ao seu amigo Pe. Valentim que lhe ajudava nas
tarefas tipográficas fazia "um preço cristão". Na clínica usava
sempre o mesmo ritual: uma bata branca. Só comprou televisão após o 25 de Abril
para ouvir as notícias. Não tinha telefone em casa para não lhe interromperem o
trabalho (José C. Vasconcelos, in JL, 6-12 de Junho de 1989). O material que
"manda para a tipografia leva vários remendos colados uns sobre os outros.
Chegam a ter umas sete e oito colagens. Por causa de uma vírgula é capaz de
passar uma noite sem dormir". Dedicava-se à caça, algumas vezes, nos
montes da sua região. Quando ali trabalhava, chegava da caça e dava consulta
com a roupa com sangue que trazia dos montes. Era a mãe que lhe chamava a
atenção. Com a entrada para a Universidade, em 1928, deu início à sua obra,
publicando dois livros: Ansiedade
(que logo esgotou). Somente voltou a ser mencionado na Antologia Poética (1981). Rampa
(1930) teve um destino idêntico. Os seus adversários da época chegavam a
acrescentar-lhe um T, antes do título. Ambos esses livros saíram com nome
próprio. Em 1936 aparece, pela primeira vez com o seu pseudónimo em O outro livro de Job, de que faz apenas
edições de 300 exemplares. Desde aí até fins de 1994 escreveu uma obra vasta e
marcante, em poesia, prosa, teatro. Alguns dos seus livros, como Bichos tiveram já mais de vinte edições.
Deixou 16 volumes dos seus Diários. Muitas
obras suas foram traduzidos nas principais línguas de todo o mundo, incluindo
em chinês. Foi muitas vezes apontado como sério candidato ao Prémio Nobel da
Literatura. Ganhou o prémio Luís de Camões, no valor de 10 mil contos (1989).
Chegou a ser preso pela PIDE. Algumas vezes teve vontade de sair do país:
"Mas abandonar a Pátria com um saco às costas? Para poder partir teria de
meter no bornal o Marão, o Douro, o Mondego, a luz de Coimbra, a biblioteca e
as vogais da língua. Sou um prisioneiro irremediável numa penitenciária de
valores tão entranhados na minha fisiologia que, longe deles, seria um cadáver
a respirar". Queriam fazer dele um socialista, quando se deu o 25 de Abril
de 1974. Nunca se filiou em partido algum: o meu partido é o mapa de
Portugal. Sobre a descolonização escreveria: fomos descobrir o mundo em
caravelas e regressámos dele em traineiras.
Afanfarronice de uns, a incapacidade de outros e a irresponsabilidade de todos deu este resultado: o fim sem a
grandeza de uma grande aventura. Metade de Portugal a ser o remorso da outra metade. Em 1996 foi fundado o Círculo Cultural Miguel Torga, com sede em S. Martinho de Ama.
Poeta, ficcionista e ensaísta. É o pseudónimo
literário do médico Adolfo
Correia da Rocha, nascido em S. Martinho
de Anta, aldeola perdida na província nordestina de
Trás-os-Montes. Aos 13 anos abandona o Seminário de Lamego para embarcar para o
Brasil, onde vive cinco anos com um tio, trabalhando numa fazenda (Minas
Gerais). Regressando a Portugal, completa em três anos o curso dos liceus,
matriculando-se depois na Faculdade de Medicina de Coimbra, onde, em 1933,
finaliza o curso. em 1939, fixa-se definitivamente em Coimbra. A partir de
1927, Torga associa-se
a alguns camaradas (José Régio,
João Gaspar Simões, Casais Monteiro, Vitorino Nemésio, Branquinho da
Fonseca e Carlos
Queiroz entre outros) que, através da
revista Presença aderiram
à Revolução Modernista. Em 1930, porém, rompe definitivamente com a Presença por duas vezes mais,
intentou poetizar em grupo (as revistas Sinal,
em 1930 e, mais tarde, Manifesto),
mas acabou por desistir quando concluiu que a autenticidade poética é demasiado
sublime e exige o máximo de pureza e fidelidade pessoal, Daí por diante, no seu
monasticismo conimbricense, intentará "ser de todos", em vez de
"camarada de poucos". Poesia de resistência e cântico de liberdade, Diário (doze volumes
publicados desde 1941) de "um contemporâneo de Hesíodo", no dizer de Sophia de Mello Breyner, que é
também um contemporâneo da "Morte de Deus" e do esmagamento do Homem
por totalitarismos ferozes, toda a obra de Torga anseia pela descoberta de caminhos novos
para o reino das coisas belas e possíveis, incluindo o amor entre os homens.
Orfeu rebelde, e possíveis, incluindo o amor entre os homens. Orfeu rebelde, Torga é, no dizer de David Mourão-Ferreira, a
"reencarnação de um poeta mítico por excelência - daquele que vive na
intimidade das forças elementares (a terra, o sol, o vento, a água) para celebrá-las
com o seu canto - e alto exemplo de constante rebeldia, numa atmosfera que
pretende asfixiá-lo".
Prosa:
Romance:
Teatro:
Poesia e
Prosa:
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